Para além de contratar jogadores para que manipulassem jogos e aumentassem seus lucros, o grupo de apostadores denunciados na Operação Penalidade Máxima precisava de um modo de operar específico. O esquema realizava a abertura de dezenas de contas em sites de apostas para potencializar o lucro obtido. Em uma operação no início deste ano, uma casa de apostas chegou a identificar uma possível fraude nos investimentos e classificar as apostas como “nulas”, o que gerou insatisfação do grupo. É o que revelam as conversas na denúncia do Ministério Público de Goiás.
O ocorrido foi em fevereiro de 2023. Em uma aposta múltipla, feita para multiplicar os lucros apostando em vários eventos ao mesmo tempo, os apostadores variaram de modalidade e campeonato: apostaram que um jogo do mato-grossense teria mais do que nove escanteios, que o Goiás venceria o Goiânia pelo estadual ainda no primeiro tempo e que, em dois jogos do Campeonato Gaúcho, dois pênaltis seriam cometidos no primeiro tempo.
Com jogadores aliciados em ao menos quatro times diferentes, orientados e pagos para determinadas ações, os apostadores viram tudo acontecer como planejado, em todas as partidas. Na hora de retirar o prêmio, porém, um problema inesperado sucedeu. Em algumas das contas utilizadas com diversos CPFs diferentes, a aposta aparecia como nula.
Ou seja, o apostador não perdia o dinheiro investido, que voltava para a conta, mas tampouco levava o prêmio. Conforme relatos, o sistema de atendimento ao consumidor da casa de aposta alegou aos suspeitos a possibilidade de fraude, colocando o jogo sob investigação.
Apesar de todos os resultados da aposta terem sido manipulados e contarem com o mesmo valor investido, o sistema do site de apostas ligou o alerta de fraude especificamente no pênalti cometido pelo jogador Jarro Pedroso, do São Luiz de Ijuí, em jogo contra o Caxias, pelo Campeonato Gaúcho.
Em áudio, Bruno Lopez, apontado como o chefe do esquema, explica os problemas encontrados. Ele afirma que são dezenas de contas afetadas pelo “erro” e que tentaram resolver pelos canais de suporte. “Alguns chat fala que é suspeita de fraude, outros falam que tá em análise, outros falam pra esperar até mais tarde, outros falam que o jogo tá em investigação”, afirma Bruno.
Camila Motta da Silva, uma das sete integrantes do grupo que foi denunciada, mulher de Bruno, fala em um áudio explicando para um interlocutor sobre a dificuldade em resgatar o dinheiro das apostas em uma operação datada de 13 de fevereiro.
No grupo em que os apostadores combinavam a operação, os integrantes demonstraram apreensão com as apostas que constam como “nulo”, apesar de todos os eventos necessários para o resultado terem acontecido. Luís Felipe Rodrigues de Castro, que aparece nas conversas como LF, questiona: “Será que eles podem fazer isso?”, se referindo ao fato de as casas anularem os bilhetes. “Mano que loucura é essa. Que zika do caralho”, reclama Bruno. Eles também mencionam mensagens em “chats”, referindo-se a canais de suporte da Betano.
Em um momento de desespero, os integrantes da quadrilha cogitam até mesmo uma ação legal contra a casa de apostas, que estava sendo fraudada pelo grupo. “Só falta ter que entrar com processo”, diz um dos apostadores.
Mesmo com a identificação de fraude, a casa de apostas não procurou o MP-GO, que coincidentemente deflagrou a primeira fase da Operação Penalidade Máxima um dia após a casa suspeitar da fraude na aposta.
Segundo o MP-GO, desde o início da investigação, no ano passado, nenhuma casa de apostas procurou o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para denunciar indícios de fraude.
— Detectamos que o próprio site identificou uma movimentação anormal e bloqueou as apostas. Cada aposta de R$ 500 geraria um lucro de R$ 46 mil. O próprio site bloqueou e o grupo tentou destravar essas contas. Mas nenhuma casa de aposta nos procurou até agora, não chegou nenhum comunicado desde o início da investigação — afirmou o promotor Fernando Cesconetto.
O doutor em integridade no esporte Felippe Marchetti explica que, sem uma regulamentação do setor, as casas não são obrigadas a repassar suas informações para as autoridades. Com a MP das apostas esportivas, prevista para ser publicada nos próximos dias, há esperança de avanço neste sentido. Principalmente com a criação da agência que unirá policias, Ministério Público e entidades esportivas no combate à manipulação.
— Espera-se que, com a criação da agência, as casas sejam obrigadas a compartilhar seus dados com o governo e com a agência de integridade, principalmente quando houver uma atividade suspeita. Hoje elas reportam se quiserem e para as entidades que quiserem — explica.
Em nota, a assessoria da casa de apostas envolvida, afirmou que “conta com tecnologias que visam proteger os dados dos clientes contra vulnerabilidades/fraudes, está alinhada e apoia a ANJL no desenvolvimento de novos programas de integridade do esporte, monitoramento de atitudes suspeitas, prevenção e bloqueio de contas suspeitas”. Sobre as apostas anuladas, a empresa afirma que “existem nos termos e condições algumas cláusulas que preveem a anulação das apostas”, mas não respondeu por que não informou o fato às autoridades e qual o procedimento nestes casos.
Fonte- Jornal O Sul
Foto- Reprodução Twitter Juventude